Em 2000, o município brasileiro de Sobral tinha um problema que parecia insolúvel. Situado no Ceará, um dos estados mais pobres do Brasil, apenas 49% dos alunos da segunda série conseguiam ler no nível da série.1 Em 2004, esse número havia chegado a 92%.1 Hoje, o Ceará tem a menor taxa de pobreza de aprendizagem do Brasil, com 10 dos 20 municípios de melhor desempenho do país.1

A transformação de Sobral não foi mágica. Foi método: materiais didáticos estruturados, apoio intensivo aos professores e financiamento baseado em resultados que vinculava 18% das transferências fiscais aos resultados educacionais.1 A abordagem se espalhou por todo o estado, provando que mesmo as comunidades mais desfavorecidas podem alcançar o que as nações ricas muitas vezes lutam para oferecer.

Abrimos com Sobral porque essa história de intervenção baseada em evidências produzindo resultados dramáticos está sendo replicada em todo o mundo em desenvolvimento. No Quênia, as taxas de alfabetização quase dobraram depois que um programa nacional de leitura atingiu 23.000 escolas.2 Na Índia, uma abordagem simples de agrupar as crianças por nível de habilidade em vez de idade atingiu 76 milhões de alunos com alguns dos maiores ganhos de aprendizagem já medidos na pesquisa educacional.3

Essas histórias de sucesso são importantes porque iluminam um caminho através de um dos desafios mais significativos e solucionáveis no desenvolvimento humano hoje.

A lacuna atrás da porta da sala de aula

Aqui está um número que deve remodelar a maneira como pensamos sobre a educação global: sete em cada dez crianças em países de baixa e média renda não conseguem ler e entender um texto simples aos 10 anos.45 O Banco Mundial chama isso de “pobreza de aprendizagem”, e representa algo profundo: a lacuna entre colocar as crianças nas escolas e realmente ensiná-las a ler.

Não se trata mais de acesso. Décadas de esforço global expandiram com sucesso as matrículas, e a maioria das crianças agora tem um lugar em uma sala de aula. O desafio é o que acontece quando elas estão lá. Alcançamos a escolarização sem aprendizagem, e as consequências se espalham por sociedades inteiras.

Os números variam drasticamente por região, mas o padrão é consistente. Na África Subsaariana, 89% das crianças vivenciam a pobreza de aprendizagem: nove em cada dez não conseguem ler aos 10 anos.6 A América Latina viu as taxas saltarem de 52% para cerca de 80% após o fechamento das escolas pela pandemia, em média 225 dias.4 O Sul da Ásia, com os fechamentos mais longos do mundo, com 273 dias, passou de 60% para 78%.4

Quando olhamos para as causas profundas, três fatores emergem repetidamente em todos os contextos.

Os professores estão impossivelmente sobrecarregados. A UNESCO projeta que o mundo precisa de 44 milhões de professores adicionais até 2030, incluindo 15-17 milhões apenas na África Subsaariana.7 O financiamento necessário chega a US$ 120 bilhões, contra os gastos atuais de apenas US$ 55 por aluno anualmente em países de baixa renda contra US$ 8.532 em nações ricas.8 Essa é uma lacuna de 155 vezes no investimento por criança.

As crianças aprendem em línguas que não falam. Entre 37-40% dos alunos em países em desenvolvimento recebem instrução em línguas diferentes das que falam em casa, chegando a 90% em alguns contextos.9 No Peru, falantes nativos de espanhol têm sete vezes mais chances de alcançar uma leitura satisfatória do que alunos indígenas aprendendo em espanhol como segunda língua.9

Os métodos tradicionais de ensino falham na alfabetização fundamental. A instrução centrada no professor domina, apesar das evidências de resultados ruins. Os currículos pressupõem conhecimentos que as crianças não possuem. Muitos professores não têm treinamento em instrução de leitura baseada em evidências e não recebem treinamento ou suporte contínuo.10

O que está em jogo e por que vale a pena resolver

A escala econômica é significativa. A estimativa mais abrangente do Banco Mundial avalia a pobreza de aprendizagem em US$ 21 trilhões em ganhos vitalícios perdidos para a geração atual, equivalente a 17% do PIB global.114 Inverta isso: resolvê-lo representa uma das maiores oportunidades no desenvolvimento humano. Especificamente para a África, fechar a lacuna de aprendizagem poderia desbloquear cerca de US$ 6,5 trilhões em oportunidades econômicas.6

Mas além da economia, trata-se de potencial humano. Sob a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, toda criança tem direito não apenas à educação, mas a uma educação que desenvolva suas capacidades.12 A estrutura do ODS 4 como “educação de qualidade” reconhece explicitamente isso, e a boa notícia é que existem soluções comprovadas para alcançá-lo.

A dimensão intergeracional torna a ação especialmente valiosa. A UNESCO estima que 171 milhões de pessoas poderiam sair da pobreza se todos os alunos em países de baixa renda alcançassem habilidades básicas de leitura.12 A alfabetização fundamental abre portas para tudo o mais: as habilidades técnicas de que as economias modernas precisam, a agência para participar da vida cívica, a capacidade de quebrar ciclos de desvantagem.

As intervenções que realmente funcionam

O que nos dá esperança é que agora temos evidências robustas do que funciona, e isso está sendo implementado em escala. As soluções compartilham características comuns: elas se concentram em habilidades fundamentais, apoiam os professores com ferramentas práticas e se adaptam aos contextos locais, mantendo princípios baseados em evidências.

Pedagogia Estruturada: A Base de Evidências Mais Forte

Os programas de pedagogia estruturada fornecem aos professores guias de aula detalhados, cadernos de exercícios para alunos, treinamento intensivo e suporte contínuo de treinamento. O Painel Consultivo de Evidências da Educação Global classifica isso como uma “Ótima Compra” com base na excepcional relação custo-benefício.3

Os resultados são impressionantes. Em todos os países em desenvolvimento, a pedagogia estruturada produz melhorias médias de 0,44 desvios padrão, o dobro do tamanho do efeito de programas semelhantes nos Estados Unidos.10 O programa Tusome (“Vamos Ler”) do Quênia começou com ensaios randomizados em mais de 400 escolas, descobrindo que os alunos tinham três vezes mais chances de atingir os padrões nacionais.2 Em dois anos, ele se expandiu para 23.000 escolas primárias públicas, com as taxas de alfabetização quase dobrando.2

A análise descobriu que cada US$ 100 adicionais em gastos produziram mais 15 alunos atingindo os padrões, um retorno excepcional sobre o investimento.2

Ensinando no Nível Certo: Encontrando as Crianças Onde Elas Estão

A ONG indiana Pratham desenvolveu uma visão elegantemente simples: agrupar as crianças por nível de habilidade real, não por idade. Uma criança que não consegue reconhecer letras precisa de instrução diferente de uma que consegue decodificar palavras, independentemente da série em que está matriculada.

Seis ensaios randomizados documentaram efeitos que o J-PAL descreve como “alguns dos maiores rigorosamente medidos na literatura educacional”.3 Em Uttar Pradesh, as crianças lendo parágrafos ou histórias dobraram.3 A abordagem Teaching at the Right Level (TaRL) agora atingiu 76 milhões de estudantes indianos por meio de parcerias governamentais e se expandiu para mais de 20 países.3

Instrução na Língua Materna: Construindo sobre o que as Crianças Sabem

Os dados da UNESCO de 2025 confirmam o que a ciência cognitiva prevê: crianças ensinadas em sua língua materna têm 30% mais chances de ler com compreensão até o final da escola primária.9

Contraintuitivamente, isso também se estende à aquisição de uma segunda língua. A Pédagogie Convergente do Mali descobriu que os alunos em escolas de língua materna na verdade tiveram melhor desempenho em francês do que aqueles ensinados apenas em francês.9 Fundamentos fortes em uma primeira língua são transferidos para o aprendizado de uma segunda língua. O Banco Mundial recomenda agora pelo menos seis anos de instrução na língua materna antes da transição.9

Investimento na Primeira Infância: Os Maiores Retornos a Longo Prazo

Quanto mais cedo intervimos, maior o impacto. O programa de visitas domiciliares da Jamaica produziu ganhos 37% maiores aos 31 anos para as crianças participantes.13 Meta-análises mostram que a educação infantil de qualidade reduz a colocação em educação especial em 8,1 pontos percentuais, a retenção de série em 8,3 pontos e aumenta a graduação no ensino médio em 11,4 pontos.13

Na África Subsaariana, cada dólar investido na triplicação das matrículas na pré-escola poderia gerar US$ 33 em retornos, excedendo praticamente qualquer investimento alternativo.6

Alimentação Escolar: Abordando a Fome para Permitir a Aprendizagem

Crianças com fome não conseguem aprender de forma eficaz. Com 200 milhões de crianças menores de cinco anos afetadas por má nutrição, as bases cognitivas para a aprendizagem são frequentemente comprometidas antes do início da escolaridade.14 Os programas de alimentação escolar abordam isso diretamente.

Revisões sistemáticas documentam aumentos de 5-6 pontos percentuais nas matrículas de meninas e taxas de frequência mais altas.14 Um estudo no Quênia descobriu que os alunos que recebiam refeições com carne melhoraram 57,5 pontos em todas as disciplinas em comparação com os controles que não recebiam comida.14

Escalando o que funciona

O Intercâmbio de Aprendizagem Fundamental da África de 2024 reuniu delegados de 39 países para se comprometerem a alcançar zero pobreza de aprendizagem até 2035.6 É uma meta ambiciosa, mas o relatório de outubro de 2025 do Painel Consultivo de Evidências da Educação Global, sintetizando aproximadamente 120 estudos em mais de 170 idiomas, confirma que sabemos como é uma instrução de leitura eficaz.10

Países que conseguem reduzir a pobreza de aprendizagem compartilham características comuns: compromisso político sustentado, uso de estruturas governamentais existentes para expansão, financiamento baseado em resultados, monitoramento contínuo e investimento no apoio aos professores.12 Esses não são ingredientes misteriosos; é disciplina de implementação aplicada a intervenções comprovadas.

A principal restrição é o financiamento. A lacuna anual de US$ 97 bilhões entre o que é necessário e o que está disponível não pode ser fechada apenas por meio de recursos domésticos nos países mais pobres.8 No entanto, a ajuda educacional caiu 7% entre 2020 e 2021, com a África Subsaariana experimentando um declínio de 23%.8 Os governos africanos agora gastam mais em serviço da dívida do que em educação e saúde combinadas, uma barreira estrutural que precisa de atenção internacional juntamente com o compromisso doméstico.8

O caminho a seguir

A pobreza de aprendizagem representa uma lacuna fundamental no que a Economia Donut chama de base social: crianças sem a capacidade básica de decodificar a linguagem escrita, o que se espalha por todas as dimensões do florescimento humano.

Mas, ao contrário de muitos desafios globais, este tem soluções comprovadas. A transformação de Sobral de 49% para 92% de alfabetização em quatro anos não foi uma anomalia; foi um modelo. O Quênia expandiu a instrução de leitura baseada em evidências para 23.000 escolas. A Índia atingiu 76 milhões de crianças com instrução direcionada. Esses não são mais programas piloto; são provas de conceito em escala nacional.

A pesquisa nos diz que cada ano adicional de escolaridade de qualidade gera ganhos 9-10% maiores.11 Cada dólar investido na educação infantil pode retornar US$ 33.6 A pedagogia estruturada oferece o dobro dos ganhos de aprendizagem a uma fração do custo das intervenções em países ricos.10

O que resta é implantar o que sabemos que funciona, na escala que a oportunidade exige. As 800 milhões de crianças que estão aprendendo a ler não estão esperando por novas inovações. Elas estão esperando pela vontade política e pelo investimento coordenado para levar soluções comprovadas a todas as salas de aula.

Sobral, Quênia e Índia provaram que é possível. A pesquisa nos mostra como. A questão agora é se agiremos com base no que aprendemos, e as evidências sugerem que absolutamente podemos.


Referências